Jurisprudência de Família: Reconhecimento da União Estável concomitante ao Casamento
Tudo bem pessoal, como estão?
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Hoje vamos trabalhar um recente julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reconheceu uma união estável paralela ao casamento.
No caso concreto, a então companheira alegava o convívio duradouro, público e com a intenção de constituir família por 20 anos com homem que se mantinha legalmente casado. Durante todo esse tempo, conforme provas dos autos, a então esposa tinha ciência e tolerava a relação extraconjugal do marido.
Nesse contexto, entenderam os Desembargadores ser necessário o reconhecimento da união estável, com a consequente partilha de bens do agora falecido entre companheira e esposa, para que sejam mantidos os interesses de ambos os núcleos familiares constituídos.
A par do impedimento de reconhecimento de união estável a pessoas casadas (art. 1723, § 1º-A c/c art. 1521, VI, ambos do Código Civil), em havendo a formação de famílias simultâneas com convivência harmônica por duas décadas, não poderá o poder estatal, por mero formalismo ou preconceito, desconsiderar as relações afetivas desenvolvidas, devendo prevalecer, no caso concreto, os seguintes valores: dignidade da pessoa humana, solidariedade, busca pela felicidade, liberdade e igualdade.
A seguir, ementa do julgado para atenta leitura:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO INSTITUTO. CABIMENTO. CONCOMITÂNCIA COM O CASAMENTO QUE NÃO AFASTA A PRETENSÃO NO CASO. SENTENÇA REFORMADA. I. Presente prova categórica de que o relacionamento mantido entre a requerente e o falecido entre 08/2000 e a data do óbito dele se dava nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, mas também a higidez do vínculo matrimonial do de cujus até o mesmo momento. Caso provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento e sem a separação de fato configurada, deve ser, sim, reconhecida como união estável, mas desde que o cônjuge não faltoso com os deveres do casamento tenha efetiva ciência da existência dessa outra relação fora dele, o que aqui está devidamente demonstrado. Ora, se a esposa concorda em compartilhar o marido em vida, também deve aceitar a divisão de seu patrimônio após a morte, se fazendo necessária a preservação do interesse de ambas as células familiares constituídas. Em havendo transparência entre todos os envolvidos na relação simultânea, os impedimentos impostos nos artigos 1.521, inciso VI, e artigo 1.727, ambos do Código Civil, caracterizariam uma demasiada intervenção estatal, devendo ser observada sua vontade em viver naquela situação familiar. Formalismo legal que não pode prevalecer sobre situação fática há anos consolidada. Sentimentos não estão sujeitos a regras, tampouco a preconceitos, de modo que, ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, indispensável que o julgador decida com observância à dignidade da pessoa humana, solidariedade, busca pela felicidade, liberdade e igualdade. Deixando de lado julgamentos morais, certo é que casos como o presente são mais comuns do que pensamos e merecem ser objeto de proteção jurídica, até mesmo porque o preconceito não impede sua ocorrência, muito menos a imposição do castigo da marginalização vai fazê-lo. Princípio da monogamia e dever de lealdade estabelecidos que devem ser revistos diante da evolução histórica do conceito de família, acompanhando os avanços sociais. II. Reconhecida a união estável e o casamento simultâneos, como no presente, a jurisprudência da Corte tem entendido necessário dividir o patrimônio adquirido no período da concomitância em três partes, o que se convencionou chamar de triação . Não se pode deixar de referir que o caso se centrou mais no reconhecimento da união estável, de modo que inviável afirmar aqui e agora, com segurança, quais são exatamente os bens amealhados no período. Além disso, ao que tudo indica, a partilha de bens do falecido já foi realizada entre os anteriores herdeiros, enquanto que os filhos maiores e capazes desse não participaram do processo, mas apenas a cônjuge, razão pela qual não podem ter seu direito atingido sem o exercício do contraditório e da ampla defesa. Ao juízo de família, na ação proposta, compete apenas reconhecer ou não a existência da afirmada relação estável da demandante com o de cujus e a repercussão patrimonial a que essa faz jus, sendo que a extensão dos efeitos patrimoniais que são próprios à condição de companheira deverá ser buscada em demanda própria. Apelação parcialmente provida, por maioria. (TJRS, Apelação Cível nº 70082663261, Relator Des. José Antônio Daltoe Cezar, Oitava Câmara Cível, Julgado em 09/10/2020)
Esperamos vocês na próxima semana para novas discussões sobre o Direito das Famílias.
Fonte: Jusbrasil