Uma reflexão para o Direito
Entre colapso e tomadas de decisão, globalmente temos um mesmo objetivo: extirpar o covid-19 da sociedade, curar os enfermos e evitar que novos casos surjam. Dentro dessa onda que levou a humanidade a refletir sobre os valores mais básicos, tivemos que pensar sobre como chegamos até aqui. Não estou me referindo a como e quando o Covid-19 passou a ser parte do pesadelo global, mas como chegamos em um momento que, mesmo não estando diante de um conflito armado internacional, tantas vidas foram perdidas, tanto sofrimento fosse espalhado e tantas incertezas fossem colocadas à mesa.
Os direitos humanos em seu discurso de proteção à dignidade da pessoa humana, valor básico e central da sua positivação, foi posto à prova. Afinal, quais direitos básicos são possíveis abrir mão em prol de outro direito básico? O direito de ir e vir restringido pelo direito à saúde, o direito de expressar a opinião sendo restringida pela veracidade da informação- o que já deveria ser regra antes do Covid-19 – o acesso à informação e liberdade de imprensa, acesso à saúde como um meio de salvação, dando suporte ao direito à vida em sua forma mais óbvia: ter direito a viver.
O que o COVID-19 também, demonstrou é que já estávamos em crise. Em crise institucional, em crises democráticas ao redor do mundo, em crise das garantias do piso mínimo para o exercício dos direitos humanos.
A ordem é: Fique em casa. E quem não tem moradia? Ficará como? À mercê do vírus? O direito à moradia aparece hoje como um discurso muito mais forte do que em tempos “fora da crise”, mas que está demandando uma resposta conjunta ao problema. É preciso olhar o que outros países estão fazendo para enfrentar essa mesma questão comum.
E o direito à educação? O direito à educação passou da noite para o dia do modo presencial para o virtual, tendo a tecnologia como apoio à continuidade do ensino, preservando mais um direito constitucionalmente previsto. O problema que surge é se o acesso à internet seria um direito humano que deveria ser positivado como tal, afinal, em tempos de quarentena é ela quem tem nos permitido continuar em sociedade e exercendo nossas funções na vida privada. Outra reflexão que o Covid-19 nos impõe.
Os abastecimentos de alimentos, combustíveis, remédios continuam, mas como garantir que a máquina não pare, para que após suprir o acesso à saúde, não enfrentemos um problema de nutrição?
São questões que pairam sobre todos nós. Para acender mais o debate, temos a questão trabalhista, que hoje enfrenta uma paralisação com sérios impactos econômicos. Como garantir a continuidade desses contratos de trabalho? Tal resposta necessariamente deve levar em consideração que antes de qualquer mudança, o direito à vida e à saúde venham antes. Expor o trabalhador e a sociedade ao risco de contaminação certamente não é a melhor resposta.
Há ainda questões de direito do consumidor, uma vez que relações de consumo foram quebradas por conta da pandemia, bem como novas formas de consumir surgiram para superar esse período, buscando inovações interpretativas para o equilíbrio dessa relação jurídica. E a própria questão do consumismo é colocada em jogo. Será que precisamos um padrão de consumo tão alto depois do que estamos vivenciando nessa quarentena?
Imagens da Nasa mostram a cidade Wuhan antes e depois do Covid-19 demonstrando que a nuvem de poluição havia se dissipado. A CNN, no dia 1 de abril, vinculou no seu canal online um vídeo de Nova Délhi na Índia que demonstrava a significativa melhora nos índices de poluição após a quarentena imposta pelo vírus. Uma ponderação necessária e urgente sobre a proteção do meio ambiente para após a pandemia.
O Direito de família também fica para a reflexão dos juristas, separação e divórcio em tempos de coronavirus, como realiza-los? E quem protegerá mulheres e crianças da violência doméstica quando não podemos sair de casa? São aprovou uma lei municipal n.17.230 de 18 de março de 2020 para conceder o auxílio-aluguel para mulheres vítimas violência doméstica, dando um bom exemplo nesse sentido, mas ainda é uma resposta regional para uma questão nacional.
São inúmeras as consequências que o Covid-19 nos trouxe, questões jurídicas que não poderemos esquecer quando tudo isso passar.
A globalização trouxe grandes conquistas, mas enormes desafios. Quais serão as medidas que serão adotadas para quando tivermos nova situação semelhante como essa? Certamente muitos dos problemas que estamos enfrentando não serão respondidos pelo direito por si só, principalmente quando ficou demonstrado que ciência e direito devem caminhar lado a lado. Por fim, o Covid-19 nos ensinou que a solidariedade e a empatia são os meios mais eficazes de combater a pandemia.
Fonte: Jota